sexta-feira, 24 de julho de 2009

A licitude da exigência de exame de gravidez na dispensa sem justa causa

A licitude da exigência de exame de gravidez na dispensa sem justa causa
Elaborado em 12.2007.
Harleizy Forte Pimentel
Escrevente Juramentada do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Bacharel em direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos, campus de Barbacena (MG). Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
STF – Supremo Tribunal Federal
TST – Tribunal Superior do Trabalho
TRT – Tribunal Regional do Trabalho.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 AS FASES HISTÓRICAS DO TRABALHO DO MULHER. 1.1 A FASE PROIBITIVA. 1.2 A FASE PROTETORA. 1.2.1 As primeiras leis. 1.3 A FASE PROMOCIONAL. 2 OS PODERES DO EMPREGADOR E OS DIREITOS E DEVERES DAS S PARTES 2.1 OS PODERES DO EMPREGADOR. 2.1.1 Poder diretivo . 2.1.2 Poder regulamentar. 2.1.3 Poder fiscalizatório. 2.1.4 Poder disciplinar. 2.2 OS DEVERES E DIREITOS DO EMPREGADO. 2.2.1 Conceito e requisitos da figura "empregado". 2.2.2 Os deveres do empregado. 2.2.3 Deveres do empregador. 2.2.4 Direitos do empregado. 2.2.4.1 Direito à integridade física. 2.2.4.2 Direito à integridade intelectual. 2.2.4.3 Direito à integridade moral. 2.2.4.3.1 Assédio moral 3 DIREITO DA INTIMIDADE. 3.1 DIREITO À INTIMIDADE OU DIREITO À VIDA PRIVADA?.3.2 LIMITES. 3.3 DIREITO À INTIMIDADE X PODER DO EMPREGADOR.. 4 A POSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA DE EXAME DE GRAVIDEZ NA DISPENSA IMOTIVADA. 4.1 A DISCRIMINAÇÃO DO TRABALHO DA MULHER. 4.1.1 O conceito de discriminação e outros aspectos. 4.1.2 Normas internacionais.. 4.1.2.1 A organização internacional do trabalho. 4.1.2.2 A declaração universal dos direitos humanos . 4.1.2.3 A convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. 4.1.3 Momento da discriminação. 4.1.4 Formas de discriminação. 4.2 A LEI Nº 9.029/95 E SUAS ESPECIFICIDADES RELACIONADAS À À MULHER.4.2.1 O caráter penal do artigo 2º . 4.3 A ESTABILIDADE DA TRABALHADORA GESTANTE.. 4.4 LICENÇA À MATERNIDADE.. 4.5 EXAME MÉDICO.. 4.5.1 O exame de gravidez. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
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INTRODUÇÃO
A nossa atual Constituição Federal, datada de 1988, no inciso X do artigo 5º, protege todo cidadão, brasileiro ou estrangeiro, da ingerência de outras pessoas em sua vida íntima ao dispor que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Em conseqüência, caso tais direitos não sejam observados, será assegurada indenização por danos materiais ou morais.
O respeito à intimidade de qualquer cidadão deve ser observado tanto pelo Estado como pelos particulares. Neste último caso temos a relação laboral. Assim, desde o surgimento da relação empregatícia, com as entrevistas, exames admissionais, até o seu fim, as partes devem observar esse limite imposto pela nossa Magna Carta.
Ocorre que muitos empregadores, na tentativa de proteger a sua propriedade, requisitam a suas trabalhadoras o exame para comprovação gravídica no ato da demissão, sendo este considerado por alguns como uma invasão à intimidade dessas empregadas.
Sob a égide do poder diretivo o empregador impõe suas ordens ao empregado podendo vigiá-lo, controlá-lo e fiscalizá-lo. Assim, o empregado tem o dever de obedecer as ordens que lhes são repassadas, com exceção daquelas de caráter ilícito.
A Lei nº 9.029 de 13 de abril de 1995, estabelece em seu artigo 2º, inciso I, que constitui crime a prática discriminatória da exigência de exames, dentre muitos o de gravidez, quando do acesso da relação de emprego ou mesmo para sua manutenção. Ocorre que esta não faz menção alguma quando da dispensa. Mesmo diante dessa omissão, alguns autores ampliam este momento para também caracterizarem como crime a exigência desse tipo de exame no ato resilitório. Fato este incompatível com a norma penal, tendo em vista a inadmissibilidade de interpretação ampliativa.
Diante da colisão do poder de direção do empregador e o direito de intimidade da empregada buscaremos esclarecer sobre a licitude da exigência de exame de gravidez na dispensa sem justa causa.
Frente ao exposto, entendemos ser importante o estudo em tese, tendo em vista que hodiernamente é comum que as empregadas, cientes do seu estado gravídico, só informem ao seu patrão sobre este fato após a extinção do contrato de trabalho, ou seja, o empregador é surpreendido por uma ação trabalhista, cuja causa de pedir seria uma gravidez que ao tempo da demissão era desconhecida pelo mesmo.
Para tanto, partiremos de uma pesquisa exploratória e bibliográfica, demonstrando a evolução do trabalho das mulheres no Brasil, suas leis e direitos adquiridos, com o intuito de encontrar uma solução para o nosso problema a partir de normas jurídicas já existentes.
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1 AS FASES HISTÓRICAS DO TRABALHO DA MULHER
Importante para traçarmos o melhor caminho a ser percorrido para a solução do nosso problema é a análise histórica das três fases em que se divide o Direito do Trabalho da Mulher no Brasil, quais sejam: a fase proibitiva, a fase protetora e a fase promocional (CALIL, 2000, p. 12 e p. 13).
1.1. A FASE PROIBITIVA
Esta fase começa, cronologicamente, com a implantação da República e vai até pouco antes da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CALIL, 2000, p. 30).
Calil (2007, p. 19 e p. 20) explana sobre a divisão das funções pertencentes às diversas raças femininas. Às mulheres brancas, no período colonial, vindas de Portugal para acompanhar seus pais ou maridos, e mesmo as órfãs enviadas ao Brasil, então colônia, para que o povoassem, era permitido apenas o papel de esposas. A elas cabiam as atividades domésticas compreendidas em educar os filhos, costurar, bordar, cozinhar ou mesmo, para aquelas mais abastadas, mandar que alguém o fizesse.
Às mulheres negras, à época escravas, cabia o trabalho nas roças, mas também exerciam, a grande minoria, o papel de tecelãs, amas-de-leite, cozinheiras, costureiras, enfim, todo o serviço que lhes fossem ordenado. Até mesmo na era do Ciclo do Ouro, a mão-de-obra das mulheres negras foi bastante utilizada. Mawe (apud, CALIL, 2007, p. 20) narra que "os trabalhos mais penosos na extração do ouro são executados pelos negros e os mais fáceis pelas negras. Os primeiros tiram o cascalho do fundo do poço, as mulheres o carregam em gamelas, para ser lavado."
A mão-de-obra indígena feminina também foi utilizada, mesmo que de forma bem reduzida se comparada a das negras, tendo em vista que era proibida a escravização dos nativos por Portugal.
No século XIX, a nossa Constituição de 1824 excluía a mulher do rol de muitos direitos, entre eles o de votar. A grande maioria era analfabeta, sendo esta uma das características pela qual não se admitia a participação da mulher na vida pública, restando-lhe apenas o trabalho doméstico.
Telles (apud, CALIL, 2000, p. 19) relatou sobre essa privação:
Excluídas de uma efetiva participação na sociedade, da possibilidade de ocuparem cargos públicos, de assegurarem dignamente sua própria sobrevivência e até mesmo impedidas do acesso à educação superior, as mulheres do séc. XIX ficavam trancadas, fechadas dentro de casa ou sobrados, mocambos e senzalas, construídos por pai, maridos, senhores.
Conforme Calil (2000, p. 21) foi neste período que a história legislativa do direito do trabalho no Brasil teve maior destaque com a promulgação das Leis do Ventre Livre, que declarava livres os filhos de escravos nascidos a partir de 28 de setembro de 1871; do Sexagenário, que dava, em 1885, liberdade aos maiores de sessenta e cinco anos; e Áurea, Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, que declarou extinta a escravidão no Brasil.
Assim, com o fim da escravidão, várias vagas de trabalho foram criadas, especialmente na agricultura, onde grande parte das forças de trabalho até então utilizadas era a dos escravos.
Para suprir tal carência de trabalhadores promoveu-se a imigração de europeus para que, primeiramente, substituíssem a mão-de-obra escrava nas lavouras. Ocorre que diante das precárias condições de trabalho, muitos deles abandonaram o trabalho nas fazendas, a custo de muita luta, e foram para a cidade.
Com a proclamação da República em 1889 promovida pela elite, classe dominada por um pensamento liberal, a industrialização brasileira seguiu a idéia de um Estado mínimo, onde ao Estado caberia atuar apenas nas funções que lhes são próprias, não intervindo, assim, na vida íntima dos seus cidadãos. Calil (2000, p. 23) esclarece que, qualquer lei de cunho protecionista ao trabalho seria uma ingerência indesejável do Estado no princípio maior que era a absoluta liberdade do homem.
Com isso, os trabalhadores se viram a margem de qualquer legislação protetiva, o que possibilitou aos empregadores ditarem as regras da relação de trabalho. Foram inúmeras as situações degradantes a que os trabalhadores foram compelidos a aceitarem, como salários baixíssimos e jornadas de trabalho sobre-humanas.
Diante da industrialização das fábricas, gerando a crescente desnecessidade de emprego de força física, a contratação de mão-de-obra feminina e de menores foi bastante vantajosa para os empregadores, pois por serem considerados "meia força", podiam ser remunerados com valores bem menores aos pagos aos homens maiores de idade.
Para agravar a situação das mulheres que precisavam trabalhar, a elite dominante identificava o seu modelo familiar, aquele em que os homens trabalhavam para prover o sustendo de sua família e às mulheres cabiam os afazeres do lar, como o certo, fazendo com que essas trabalhadoras fossem ainda mais discriminadas, só que agora perante a "sociedade".
Sobre o tema:
As mulheres pobres que necessitavam trabalhar para seu sustento eram vítimas de um duplo preconceito: porque trabalhavam – quando seu lugar, segundo os ditames da elite, seria em casa, cuidando dos filhos e esperando o marido – e porque eram mulheres – e seu trabalho valia menos. (CALIL, 2000, p. 26).
Percebemos que nesta fase não havia propriamente uma proibição legal para que a mulher ingressasse na vida laboral. A dificuldade em aceitar essa nova realidade partia de uma pequena parcela da sociedade que continuava a acreditar que a mulher era sinônimo de fragilidade e que seu trabalho deveria restringir-se apenas ao doméstico e ao seu papel principal de mãe e esposa.
1.2. A FASE PROTETORA
Esta fase teve início com a promulgação do Decreto nº 5.452, em 1º de maio de 1943, que deu origem a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (CALIL, 2000, p. 30).
Uma boa parte das mulheres se viu obrigada, diante das crises que o Brasil atravessou a partir dessa época, a sair do interior do seu lar para poder ajudar a complementar a renda. Isso ocorreu principalmente nas famílias de classe média, que para não perderem as poucas regalias que tinham, passaram a contar com uma complementação orçamentária trazidas por elas.
Diante do aumento dessa mão-de-obra e de suas crescentes reivindicações muitas normas foram criadas para regulamentar o trabalho feminino. Normas estas de cunho protecionistas em relação a sua saúde física, mental e, porque não, moral. Artigos que proibiam a realização de horas extraordinárias sem que houvesse atestado médico que a autorizasse, limite de peso para os trabalhos que exigiam emprego de força muscular, vedação de trabalho noturno, dentre outros, acabaram contribuindo para que o empregador, diante agora da normatização desses direitos e para que não fosse compelido a atender essas exigências legais, optasse por contratar mais homens, quando não o fazia na sua totalidade.
A maioria das leis era esparsas e diziam respeito a uma categoria própria de trabalhadores. Determinadas funções empregatícias não tinham uma legislação específica. A CLT veio ordenar essas leis esparsas fazendo com que a norma jurídica agora fosse empregada a todos os trabalhadores.
Quanto as normas específicas do trabalho da mulher, não houve novidade. As leis existentes neste sentido foram apenas reunidas na CLT sob o título "Da proteção do trabalho da mulher".
Percebemos neste período que o legislador teve uma maior preocupação em proteger a mulher como figura provedora do ser humano, o que acabou criando um grande ônus para a contratação de uma figura feminina. Não que todas essas normas protecionistas fossem desnecessárias, mas configurou-se menos oneroso empregar um homem a uma mulher.
1.2.1.As primeiras leis
O projeto do Código de Trabalho resultante de vários outros projetos foi objeto de várias críticas em 1917, principalmente na parte alusiva ao trabalho da mulher.
O citado projeto estabelecia, conforme Süssekind (et al, 2005, p. 979) que a mulher poderia, independentemente de autorização do marido, firmar contrato de emprego, proibição de trabalho noturno, licença de 15 a 25 dias antes do parto até 25 dias depois, com garantia de retorno ao emprego e percepção de um terço do seu salário no primeiro período de afastamento e metade no segundo, jornada de trabalho não excedente a 8 horas.
Muitos são os relatos de deputados e representantes da sociedade que demonstraram ser contra a aprovação desses direitos às mulheres. O "Jornal do Comércio", de 10/09/1917, sobre o abrigo à operária-mãe posicionou-se:
A lei, neste caso, deve ser de mero amparo à mulher e não uma lei que torne a gravidez rendosa e cômoda profissão, fazendo o patrão, como o holandês, pagar mal ou o bem que não fez! Se a lei for votada com esses exageros os patrões serão naturalmente obrigados a tomar as suas precauções, e logo que tenham a menor suspeita evitarão os serviços da futura mãe. É, certamente, o meio mais seguro de ensinar ao nosso operariado os processos de artificialmente diminuir a natalidade. (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 979/980).
A obrigatoriedade de cadeiras para as mulheres nos estabelecimentos onde prestavam serviço foi chamada por Afrânio Peixoto de "cômoda disposição", como descreve Süssekind (et al, 2005, p. 980).
Percebemos o quão duras foram as críticas diante da possibilidade real da normatização de certos direitos relativos a trabalhadora.
A primeira lei de caráter protecionista à mulher trabalhadora foi a Lei estadual nº 1.596, de 29 de dezembro de 1917, em São Paulo. Esta lei proibia o trabalho da mulher em estabelecimentos industriais no último mês de gestação e no primeiro puerpério. (CALIL, 2000, p. 30).
Na esfera federal foi o Decreto nº 16.300 de 21 de dezembro de 1923 que facultou às empregadas o direito de descanso 30 dias antes e mais 30 dias após o parto. (CALIL, 2000, p. 30).
Barros (2007, p. 1056) aponta sob o título "Primeiras leis sobre o trabalho da mulher no Brasil", o Decreto nº 21.417-A, de 1932. Este assegurava às mulheres um descanso de quatro semanas antes e quatro semanas após o parto, podendo ser aumentado em duas semanas cada um em casos excepcionais, comprovados por atestado médico.
Nota-se que o principal motivo para a elaboração de uma norma específica para a mulher foi baseado na proteção à gravidez e à maternidade, considerados fatores biológicos determinantes para tal diferença de tratamento.
Igual tratamento foi dispensado às mulheres na convenção nº 3 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que trata da licença remunerada antes e após o parto e dos períodos de intervalo para amamentação.
1.3. A FASE PROMOCIONAL
Esta fase, que perdura até hoje, iniciou-se com a promulgação da nossa atual Constituição Federal datada de 05 de outubro de 1988.
Esta implantou, conforme consta no seu preâmbulo e no artigo 5º, a igualdade dos cidadãos brasileiros, mais especificadamente entre homens e mulheres neste último. É claro que mesmo com a consagração desta igualdade, esclarece Novais (2005, p.80) que a Constituição aceitou diferenças de tratamento nos casos em que há uma manifesta desigualdade, como na maternidade; quando proibiu diferença de salário, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo; na proteção ao mercado de trabalho da mulher.
A partir deste período, muitos direitos que antes foram utilizados com o escopo de proteger a mulher, e acabaram por fazer o contrário, foram suprimidos. Em linhas gerais, o trabalho noturno, anteriormente proibido às mulheres, foi revogado, exceção encontrada na Convenção nº 171 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto Legislativo nº 270 de 2002, bem como aqueles realizados em condições insalubres, perigosas e penosas.
Neste sentido
...a revogação das leis tutelares que excluíram a mulher do trabalho noturno, em condições insalubres, perigosas e penosas (nas minerações em subsolo, nas pedreiras e obras da construção pública ou particular) poderá favorecê-las no mercado de trabalho, ampliando-lhes as oportunidades de emprego e profissão. É que se não bastassem os preconceitos sociais, a mulher enfrentava também os obstáculos legais. (BARROS, 2006, p. 1045).
Com esta transição, várias proibições sem comprovação relacionadas ao modo, tipo, local e horário do trabalho da mulher foram banidas das nossas normas nacionais, ocasionando a eliminação de vários encargos trabalhistas suportados pelo empregador pertinentes a sua contratação. Isto foi essencial para a inserção e permanência da mulher nos postos de trabalho, contribuindo para um significativo aumento de vagas destinadas ao sexo feminino.
Mais do que isso, a partir deste período houve mesmo que tímida, embora crescente com o passar dos anos, uma significativa equiparação legislativa entre homens e mulheres. Na prática, essa discriminação vem extinguindo-se paulatinamente, tendo em vista que não são necessárias apenas mudanças legislativas pois a cultura de um povo pode, muitas vezes, ser o grande responsável pela estagnação de sua evolução.
Pudemos observar que a aceitação do trabalho da mulher passou por diversas fases, tanto no campo normativo quanto na sua aceitação social.
A sua evolução foi ocasionada pela constante mudança econômica que nosso país sofreu e fortemente influenciada pela cultura de outros países.
Os primeiros passos já foram dados: muitas leis foram criadas buscando regular o trabalho feminino, e o comportamento social vem mudando a cada dia, fazendo com que as tradições culturais, que reforçavam esta discriminação, fossem apenas referências embrionárias para que pudéssemos evoluir e chegar ao estágio em que estamos. Não que este seja o último degrau de nossos objetivos, mas certamente é considerado um marco significativo da conquista feminina sobre seus direitos trabalhistas.
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2 OS PODERES DO EMPREGADOR E OS DIREITOS E DEVERES DAS PARTES
2.1 OS PODERES DO EMPREGADOR
O artigo 2º da CLT esclarece que cabe ao empregador dirigir a prestação pessoal do serviço, ou seja, é o empregador que detém o poder – aqui usado em sentido amplo – na relação com o seu empregado. Será através dele que o empregador comandará e punirá o seu trabalhador.
Muitos utilizavam a expressão poder hierárquico para denominar tal poder, o que lhe concedia um certo ar autoritário. Delgado (2006, p. 630) esclarece que, por razões práticas, a expressão poder intra-empresarial ou poder empregatício seria a mais acertada. Adotaremos neste trabalho a expressão poder empregatício.
O poder empregatício se fraciona em vários outros poderes específicos como o diretivo, o regulamentar, o fiscalizatório, o disciplinar, que ajudarão o empregador na administração do seu funcionário.
2.1.1 Poder diretivo
O poder diretivo é aquele em que o empregador tem a prerrogativa de decidir, ditar as regras que o seu empregado deve seguir no exercício das suas funções, dentro ou mesmo fora da empresa. Normas muitas vezes organizativas, tendo em vista que cabe ao dono da empresa o dever de orientar, ditar normas, para se chegar ao fim destinado, o desenvolvimento da empresa.
Estamos usando a expressão "empresa" em consonância com a CLT. Discutirmos esse vocábulo certamente ensejaria um novo trabalho.
"O fundamento legal do poder de direção é encontrado no art. 2º da CLT, na definição de empregador, pois este é quem dirige as atividades do empregado." (MARTINS, 2006, P. 191).
O titular do poder diretivo, ou poder organizativo, ou poder de comando (DELGADO, 2006, p. 631) é o empregador ou o seu preposto, sendo que este último deve agir até o limite do poder que lhe foi delegado. Caso ultrapasse este limite, o empregado poderá recusar-se a cumprir as ordens que lhe são repassadas, tendo em vista que elas extrapolam sua alçada.
Mesmo aquelas ordens, emanadas por uma pessoa legitimada a fazê-las, sendo ilícitas, ou se lícitas, mas fora do contexto do serviço a ser realizado, o empregado não está obrigado a cumprí-las, pois lhe é assegurado o jus resistentiae, ou seja, "...o dever do empregado vai até onde vai o contrato. Seria atentatória da liberdade humana a obediência fora dos limites traçados pela destinação econômica da prestação de trabalho." (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 248).
Neste sentido
...não estão os empregados obrigados a acatar ordens sobre aspectos alheios à relação de emprego e sem qualquer repercussão sobre ela. Isso porque, em regra, a vida privada do empregado, seus costumes, amizades, idéias, orientação sexual e opiniões estão fora do campo de incidência do poder diretivo do empregador [...] o que se deduz do artigo 5º, inciso X, da Constituição de 1988, quando considera invioláveis a intimidade e a vida privada das pessoas [...] Nessas situações, justifica-se a desobediência extralaboral. (BARROS, 2006, P. 557).
Porém, a vida privada do empregado não é absoluta, principalmente quando esbarra no direito de propriedade do empregador. Este tópico será estudado com mais detalhes em capítulo próprio.
O poder diretivo compreende três funções: as decisões executivas, que são atos meramente constitutivos; a de instrução, pela qual o trabalhador deve observar as recomendações e ordens que lhes são repassadas, e a função de controle, usada para fiscalizar as atividades profissionais dos seus empregados, sendo a mais conhecida delas a revista. (BARROS, 2006, p. 558).
2.1.2 Poder regulamentar
O poder regulamentar, ao contrário do que poderíamos imaginar, não tem o escopo de criar normas jurídicas. A atribuição que é outorgada ao empregador é aquela destinada a instituir normas meramente contratuais, escritas ou verbais, às quais o seu futuro empregado, devidamente cientificado da existência das mesmas, deverá cumprir.
Estas normas podem ser fixadas por ambas as partes, empregador e empregado, ou apenas pelo empregado. É quando ocorre unilateralmente que podemos identificar mais nitidamente a utilização do poder diretivo.
Será através deste código de normas internas que o empregador poderá estabelecer a forma como serão realizadas as funções atinentes a cada empregado, a técnica utilizada, dentre outros.
Delgado (2007, p. 635) sintetiza dizendo que "a atividade regulamentar seria simples meio de concretização externa das intenções e metas diretivas colocadas no âmbito do estabelecimento e da empresa."
A implantação destes regulamentos deve obedecer a certos critérios: o seu conteúdo não pode entrar em conflito com as leis (normas jurídicas gerais), pois na clássica pirâmide hierárquica, estas se posicionam no topo, enquanto aquelas situam-se na base; não pode contrariar as normas coletivas da categoria, exceto se o regulamento estabelecer normas mais favoráveis. (MARTINS, 2006, p. 202).
Assim, nesta linha, a CLT estabelece no seu artigo 444 que:
"Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Pudemos observar que o poder regulamentar visa, também, concretizar o poder diretivo. Ele será um dos meios mais eficazes do empregador colocar em prática, amparado pelas diretrizes por ele, na maioria das vezes, ditadas, a linha administrativa que adotou."
2.1.3 Poder fiscalizatório
O poder fiscalizatório, também conhecido como poder de controle, é "o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno". (DELGADO, 2007, p. 636).
Utilizando-se deste poder o empregador poderá vigiar, fiscalizar seu empregado quando da realização do seu serviço. Ocorre que este poder não é absoluto.
A nossa atual Constituição em vários artigos dá o caminho dessa ressalva:
Art. 1º A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos:
[…]
III – a dignidade da pessoa humana
[...]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei [...]
[...]
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
O empregador, quando no gozo desse seu direito de controlar os "passos" do seu empregado no seu estabelecimento, durante o horário do trabalho, deve tomar muito cuidado para que esse controle não seja exercido de forma abusiva, sendo mesmo vedado ao empregador utilizar dos meios de controle, como câmeras ocultas, microfones, em locais reservados à intimidade do empregado como banheiro e vestiário.
Sérgio Pinto Martins finaliza dizendo que a "proteção ao direito da intimidade não pode ser fundamento para a prática de atos ilícitos ou imorais."
2.1.4 Poder disciplinar
O poder disciplinar "é o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais." (DELGADO, 2007, p. 638).
Ao empregado que infringir as normas que lhes são repassadas ou mesmo tomar certas atitudes repreensíveis, a ele poderá ser aplicada determinadas sanções, penalidades estas que variam de simples advertências verbais à demissão.
Neste poder também, o empregador deverá ter o cuidado de não aplicar a punição em casos que elas não seriam necessárias. Do contrário, esta atitude pode ensejar excesso ou abuso de poder, fato este passível de ser controlado pelo Judiciário.
As sanções disciplinares devem ser aplicadas, a contar da ciência pelo empregador, imediatamente após consecução da ação ou omissão que lhe deu origem. Dessa forma, diante da
...finalidade das sanções disciplinares, que é a de restabelecer o equilíbrio na execução do trabalho, permitindo a consecução dos fins a que se destina a empresa, uma das condições de sua aplicação é a imediatidade. Falta não punida presume-se perdoada. (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 248, grifo do autor).
O direito do trabalho adota o mesmo princípio do direito penal segundo o qual, não há pena sem prévia cominação legal (parte final do artigo 1º do citado diploma). Para tanto, tentou tipificar todas as ações e/ou omissões que poderiam corresponder a uma prática passível de punição.
Ocorre que esta tipificação não foi tão detalhada quanto no direito penal, cabendo muitas vezes ao aplicador da penalidade adequá-la a figura mais próxima. Certamente que este sistema dá margem a centenas de ações trabalhistas envolvendo a classificação desta conduta.
2.2 OS DEVERES DAS PARTES E OS DIREITOS DO EMPREGADO
2.2.1 Conceito e requisitos da figura "empregado"
O conceito de empregado está descrito no artigo 3º da CLT, qual seja, "considera-se empregado toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".
A partir desta definição encontramos cinco requisitos aos quais, sem que haja a presença de qualquer um deles, não estará caracterizada a figura do empregado.
Como primeiro requisito temos que para ser empregado deve ser pessoa física. Se o serviço é efetuado por pessoa jurídica, caberá ao direito civil a regularização desses direitos. (MARTINS, 2006, p. 131).
O serviço prestado deve ser contínuo. Não precisa que seja diário, mas tem que ter uma certa habitualidade.
Diante da prestação de serviço ao empregador, o empregado deverá ser remunerado. Não há que se falar em relação empregado-empregador quando alguém executa um dado trabalho para outrem sem que seja remunerado por isso.
Dizemos, ainda, que o trabalho deve ser intuito personae porque o empregado não pode ser substituído por outra pessoa para a realização do seu serviço. Esta deve ser pessoal, não se fazendo substituir por nenhuma outra pessoa, o que descaracterizaria a relação empregatícia entre as figuras a priori acordadas.
Não menos importante mas expressivo para a conclusão do nosso trabalho é o requisito da subordinação, o qual a CLT usa o termo dependência. Martins (2006, p. 132) expõe que este vocábulo não é o mais correto e que a palavra subordinação é a mais aceita pela doutrina e jurisprudência.
"Subordinação é a obrigação que o empregado tem de cumprir as ordens determinadas pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho. É o objeto do contrato de trabalho." (MARTINS, 2006, p.132).
O empregado ao celebrar o contrato de trabalho deve, a partir daí, obediência ao empregador, devendo por conseqüência acatar as suas ordens, devido a subordinação que passa a existir daquele perante este.
A ausência de pelo menos um desses requisitos tornará inexistente a figura "empregado" e, conseqüentemente, "relação de emprego".
2.2.2 Os Deveres do empregado
A partir da celebração do contrato de trabalho surge para as partes deveres e obrigações às quais ambos devem cumprir.
Para o empregado a principal obrigação é a de desempenhar a função para a qual foi contratado. Como já dissemos, essa obrigação deve ser pessoal. Apenas quando o empregador acordar que o empregado seja substituído é que a prestação de trabalho poderá ser executada por outra pessoa. "Em tal hipótese, entre o empregador e o substituto estabelece-se um verdadeiro contrato de trabalho, embora de caráter transitório". (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 258).
Além dessa obrigação de prestar o serviço pessoalmente, o empregado deve desempenhar sua função com diligência, ou seja, deve ser cuidadoso e executar a tarefa para a qual foi contratado com zelo. Conduta contrária poderá ensejar dispensa por justa causa.
Como já dito, o empregado deve obediência às ordens emanadas pelo seu empregador, tendo em vista o poder diretivo deste último.
Evidentemente que nas ordens ilícitas e naquelas provindas de um sujeito não legitimado a fazê-las, o empregado poderá recusar-se a cumprí-las. No primeiro fato, o empregado não poderá usar da justificativa de que estava cumprindo ordens do seu empregador para se escusar de algo ilícito que tenha cometido, tendo em vista que é seu dever deixar de cumprir ordens desta natureza. No segundo, o empregado apenas deve obediência ao seu patrão, com exceção daquelas pessoas que por delegação do dono da empresa detêm este poder.
Bem como também não precisam ser cumpridas aquelas ordens, como elucida Barros (2007, p. 599/600) "...alusivas à vida privada do empregado, por versarem sobre aspectos alheios ao contrato de trabalho, sem qualquer reflexo sobre ele, em geral, [...] pois estão fora do âmbito do poder diretivo."
Outro dever do empregado é o de ser fiel. O dever de fidelidade revela-se tanto na ação, avisar ao empregador o mau funcionamento de uma máquina, por exemplo, como na omissão, não relatar os segredos atinentes à empresa.
2.2.3 Deveres do empregador
Em contrapartida, o principal dever do empregador é pagar o valor do salário acordado por ele e pelo empregado quando da celebração do contrato de trabalho.
Além disso, deve o empregador colocar à disposição do seu funcionário os meios necessários para que este possa realizar a sua função. Assim, deve fornecer o material adequado para a execução do serviço e para a proteção do empregado, o local apropriado e dentro das normas estatuídas pela própria CLT, dentre outros. "E acima de tudo, tem o empregador a obrigação de respeitar a personalidade moral do empregado na sua dignidade absoluta de pessoa humana." (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 259).
2.2.4 Direitos do empregado
Os direitos dos empregados estão inseridos em diversos ordenamentos, tanto nacionais, como exemplos, a atual Constituição da República, a CLT, quanto internacionais, como as convenções da OIT, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens.
Conforme Barros (2007, p. 611), baseando-se na tradição do Direito Romano, são reconhecidos ao indivíduo os direitos pessoais, os direitos obrigacionais e os direitos reais.
Diante da constante evolução do pensamento jurídico, o direito da personalidade veio agregar-se àqueles direitos, aumentando ainda mais o rol desses bens a serem protegidos.
Para Santa Maria, citado por Simón (2000, p. 62) "...direitos da personalidade são aqueles atinentes à realização de determinados atributos inatos ao indivíduo, configurando-se como bens jurídicos, reconhecidos e regulamentados pelo ordenamento jurídico."
Ainda não houve um consenso na doutrina quanto as características destes direitos. Adotaremos neste trabalho aquelas apontadas por De Cupis, citado por Simón (2000, p. 64) quais sejam: 1- intransmissibilidade: impossibilidade de mudança do sujeito; 2- indisponibilidade: mesmo que o titular deseje, impossível a mudança do sujeito; 3- possibilidade de consentimento: mesmo que o titular consente na lesão, o direito não estará se extinguindo; 4- irrenunciabilidade: impossibilidade de eliminação pelo seu titular; 5- insusceptibilidade de execução forçada: por serem intransmissíveis, logo não poderão ser executados, e 6- imprescritibilidade: nem o tempo provocará sua extinção.
Ao passo que representam direitos dos trabalhadores, cabe aos empregadores o dever de protegê-los.
França (apud, Barros, 2007, p. 612) classifica os direitos da personalidade como o direito à integridade física, o direito à integridade intelectual e o direito à integridade moral.
2.2.4.1 Direito à integridade física
O primeiro desses direitos da personalidade é o respeito à vida humana. Sem a proteção deste direito, base de todos os demais, resguardar os outros não teria sentido.
Moraes (2006, p. 31) relata que cabe ao Estado assegurar o direito à vida "...em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência."
No campo laboral implicaria punição ao empregador que permite aos seus empregados realizarem funções sem os equipamentos necessários para protegê-los. Cabe àqueles zelarem pela segurança de seus empregados.
A CLT relaciona no capítulo V intitulado "DA SEGURANÇA E DA MEDICINA DO TRABALHO, sobre esta questão. Fornece as instruções quanto a precaução que estes devem ter no local de trabalho, em especial para evitar acidentes e doenças ocupacionais.
2.2.4.2 Direito à integridade intelectual
A criação do ser humano deve também ser garantida e protegida pelo empregador. Esta abrange "...o Direito autoral e o Direito de Propriedade Intelectual, entre outros. O objetivo da tutela é a conservação da obra pelos criadores." (BARROS, 2007, p. 614).
Protegendo as criações tanto autorais quanto intelectuais, o empregador estará incentivando constantemente a criatividade dos seus empregados, e obterá em contrapartida uma melhora na execução do serviço ou mesmo na solução de problemas.
2.2.4.3 Direito à integridade moral
Permitir ou mesmo ser o sujeito ativo da não observância do direito à integridade moral é ferir a honra ou mesmo invadir a intimidade do seu empregado.
Tobeñas (apud, Barros, 2007, p. 624) distingue o aspecto objetivo e o subjetivo da honra. Para o autor, o "...primeiro consiste na valoração de nossa personalidade feita pelos membros da sociedade; é a boa reputação que compreende a estima política, profissional, artística, comercial, literária, e de outros âmbitos de respeitabilidade."
Já a honra subjetiva, continua o autor, "...é o sentimento de dignidade pela própria pessoa. É a auto-estima. [...] compreende o conjunto de valores morais, como retidão, probidade, e lealdade, comuns às pessoas, em geral, e que o indivíduo atribui a si mesmo."
Ferir a honra de uma pessoa implica em tornar pública, repassar a outras pessoas uma informação falsa sobre aquela. O empregador recai neste tipo quando afirma que tal funcionário é burro, ou ainda, que ele tem uma amante, sendo este na verdade fiel a sua esposa.
O remédio cabível para este tipo de lesão será a compensação por danos morais, podendo ser efetivada pelo ressarcimento econômico ou, dependendo dos casos, pelo simples direito de resposta.
Contudo, neste último caso, a própria constituição estabelece como requisito para exercer o direito de resposta "...a proporcionalidade, ou seja, o desagravo deverá ter o mesmo destaque, a mesma duração (no caso de rádio e televisão), o mesmo tamanho (no caso de imprensa escrita) que a notícia que gerou a relação conflituosa." (MORAES, 2006, p. 46).
2.2.4.3.1 Assédio moral
O assédio moral é uma figura relativamente nova do direito do trabalho, pelo menos em relação ao uso desse termo, já que as ações que o compõem são observadas desde o surgimento das relações de trabalho.
Conforme noticiado no site do TST, não há no nosso ordenamento jurídico nacional uma lei sobre esse tema. Já no âmbito estadual, como é o caso do Rio de janeiro, a lei nº 3.921 do ano de 2002 foi a primeira a abordar o assunto ao dispor que é proibido
o exercício de qualquer ato, atitude ou postura que se possa caracterizar como assédio moral no trabalho, por parte de superior hierárquico, contra funcionário, servidor ou empregado que implique em violação da dignidade desse ou sujeitando-o a condições de trabalho humilhantes e degradantes.
Assim, diante da ausência de uma legislação de alcance nacional, a ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, do TST, de acordo com o informativo desse mesmo tribunal, discorrendo sobre o tema observa que a teoria do assédio moral se baseia no direito à dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil, como prevê o artigo 1º, inciso III, da Constituição. É possível citar também o direito à saúde, mais especificamente à saúde mental, abrangida na proteção conferida pelo artigo 6º, e o direito à honra, previsto no artigo 5º, inciso X, também da Constituição.
Hirigoyen (2005, p. 17) conceitua o assédio moral como "qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima do trabalho."
Portanto, para que seja caracterizado o assédio moral a ação do assediador deve ser constante e que não tenha acontecido apenas uma ou duas vezes. Este deve ainda estar consciente da sua conduta, visando desestabilizar emocionalmente o assediado.
Hirigoyen (2005, p. 111) identifica quatro tipos de assédio moral: o vertical descendente, o horizontal, o misto e o ascendente.
O assédio moral vertical descendente ocorre quando a violência psicológica é praticada pelo superior hierárquico. Ainda,
é sempre difícil distinguir as atitudes abusivas das prerrogativas da hierarquia. A própria noção de subordinação remete a uma relação de desigualdade, de que alguns administradores poucos seguros de si ou embevecidos pelo poder são capazes de se aproveitar, abusando e sentindo um certo prazer em submeter o outro. (HIRIGOYEN, 2005, p. 113).
Já o assédio horizontal é aquele em que a intenção de ferir psicologicamente uma outra pessoa vem do próprio colega. É mais comum de ocorrer quando duas pessoas disputam o mesmo cargo dentro da empresa em que trabalham.
O assédio misto caracteriza-se pela continuidade do assédio horizontal, ou melhor, após a omissão do superior hierárquico em nada fazer em relação ao assédio horizontal, o chefe torna-se cúmplice do assediador. Aqui observamos que deve ser, de certa forma, longa a duração da ação do primeiro assediador para que o responsável em punir este ato venha a ficar sabendo e não promova nenhuma repreensão ou mesmo punição.
Por último temos o tipo assédio ascendente. Este acontece quando a ação ou mesmo omissão vem dos subordinados para com o seu superior. A autora subdivide esta figura ainda em outras duas: a falsa alegação de assédio sexual, onde "o objetivo é atentar contra a reputação de uma pessoa e desqualificá-la definitivamente" (HIRIGOYEN, 2005, p. 116), e através de reações coletivas do grupo, caracterizando-se pela "cumplicidade de todo um grupo para se livrar de um superior hierárquico que lhe foi imposto e que não é aceito." (HIRIGOYEN, 2005, p. 116).
Como conseqüência do assédio moral temos a vergonha e a humilhação, sendo uma em decorrência da outra. Estas são verificadas quando o assediado não tem coragem de se defender das humilhações que vem sofrendo. Este esconde, quando não é pública, a ofensa por não saber ou mesmo ter vergonha de reagir.
O ofendido entra em uma profunda crise psíquica, ficando desmotivado para ir ao trabalho e até mesmo continuar vivendo.
Conforme levantamento feito por Hirigoyen (2005, p. 95), na França, o assédio moral ocorre predominantemente em pessoas acima dos 50 anos, por serem considerados menos produtivas e não suficientemente adaptáveis.
As mulheres são as que mais sofrem com o assédio, sendo vítimas em 70% dos casos. (HIRIGOYEN 2005, p. 99).
O processo em que o resultado é favorável ao empregado provoca três tipos de reparação, conforme informativo do TST:
a primeira é a rescisão indireta do contrato de trabalho, hipótese semelhante à justa causa, só que em favor do empregado, que se demite mas mantém o direito ao recebimento de todas as verbas rescisórias, como se tivesse sido demitido sem motivação. Outra é a indenização por danos morais, que, na esfera trabalhista, visa à proteção da dignidade do trabalhador. A terceira é a indenização por danos materiais, nos casos em que os prejuízos psicológicos causados ao trabalhador sejam graves a ponto de gerar gastos com remédios e tratamentos.
O processo pioneiro em relação ao assédio moral no Brasil é originário do TRT da 17ª região. Conforme registra o acórdão do recurso ordinário nº 1315.2000.00.17.00.1, relatado pela juíza Sônia das Dores Dionízio, e descrito no informativo do TST:
A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho e, por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer trabalho, fonte de dignidade do empregado.
Todos nós somos vítimas e assediadores em potencial. É preciso que o governo tome medidas urgentes para punir o problema, tendo em vista que a questão envolve a saúde física e mental do assediado. O melhor seria a prevenção.
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3 O DIREITO DA INTIMIDADE
A nossa atual Constituição no artigo 5º, inciso X explicita alguns direitos aos quais são invioláveis: o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.
Ao dispor sobre esses direitos, esta teve como inspiração a Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948, que em seu artigo XII enuncia que "ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na família, no seu lar ou em sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção de lei contra tais interferências ou ataques."
Barros (1997, p. 29) ilustra que a primeira grande formulação sobre o direito à intimidade foi com o artigo intitulado "The right to privacy", elaborado por Samuel D. Warren & Louis D. Brandeis e publicado em 1890 na revista Havard Law Review.
Como dito no capítulo anterior, os direitos supracitados são espécies da qual o direito da personalidade é gênero.
3.1 DIREITO À INTIMIDADE OU DIREITO À VIDA PRIVADA?
Parte importante do nosso trabalho, os direitos à intimidade e à vida privada, a princípio são vistos como idênticos. Ledo engano. Se assim o fossem, a nossa Magna Carta não teria inserido os dois vocábulos, sendo cada qual autônomo, e sim os sintetizaria em um único termo.
A intimidade, dentre muitos conceitos, pode ser definida como o "...conjunto de informações, hábitos, vícios, segredos, até mesmo desconhecidos do tecido familiar...". (SILVA NETO, 2005, P. 83).
Em contraponto, a vida privada está "...assentada na proteção do que acontece no seio das relações familiares; proteção destinada a que se preserve no anonimato o quanto ali ocorre...". (SILVA NETO, 2005, P. 83).
O direito à intimidade revela-se mais específico. Engloba aquela particularidade da vida que somente a pessoa, ninguém mais, tem conhecimento. É o segredo guardado apenas para si, revelado apenas para o espelho, entre quatro paredes. É a possibilidade que o indivíduo tem de manter ocultos dados da sua vida íntima.
Já o direito à vida privada é mais amplo em relação a quantidade de pessoas que detêm este conhecimento. Ele reúne o segredo, aquela particularidade do indivíduo desconhecida por muitos, mas com a revelação deste apenas aos amigos íntimos, parentes, ou seja, àquele grupo de pessoas que constantemente têm acesso à privacidade de um indivíduo. Aqui o titular do direito pode controlar, sob certos aspectos, a circulação das suas informações.
Adotaremos neste trabalho os dois vocábulos, intimidade e vida privada, tendo em vista que no direito do trabalho não há diferença entre os termos supracitados.
3.2 LIMITES
Insta ressaltar que o direito à intimidade não é absoluto. Um de seus limites é aquele quando esbarra no interesse público. Neste caso, entra em cena o princípio da supremacia do interesse público. Se o interesse individual em não ver revelado certos dados da sua vida íntima entra em conflito com o interesse da sociedade, aquele sofrerá limitações, tendo em vista que, como afirma Araújo, citado por Simón (2000, p. 81) "...seria possível admitir-se lesão à intimidade e à vida privada, pois o sacrifício de um bem individual representaria um prejuízo menor do que o de toda uma coletividade."
Esse limite porém, não poderá ser usado para fundamentar toda e qualquer quebra de sigilo. Desde que bem abalizado e obedecendo a certos requisitos, ele será tolerado.
Citando alguns dos motivos que a própria constituição admite ser possível lesar a intimidade, temos:
Art. 5º […]
[...]
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Simón (2000, p. 83) explica que o titular do direito pode autorizar a invasão a sua intimidade, tendo em vista a possibilidade de consentimento. Não que isso seja uma renúncia. Ele opta, temporariamente, por deixar de exercer o seu direito. Como já dito, esta alternativa só cabe ao próprio detentor do direito e não pode ter caráter perpétuo.
Ainda esclarece que esse consentimento pode ser tanto expresso como tácito, sendo que neste último caso o indivíduo deve demonstrar de forma clara, inquestionável, a sua anuência, bem como deve especificar a situação na qual ele a admite, não podendo ser abrangente.
3.3 DIREITO À INTIMIDADE X PODER DO EMPREGADOR
Baseado no poder de direção o empregador poderá determinar a forma, o tempo e o modo da prestação do serviço pelo seu empregado. Este poder, juntamente com o poder de fiscalização, permite que o patrão exerça um certo controle sobre seus subordinados.
A partir do momento que uma pessoa aceita trabalhar para uma outra pessoa, aquela deverá submeter-se às ordens deste último, que como dito, possui o poder de comando.
Simón (2000, p. 109/110) expõe três teorias que fundamentam este poder de direção.
Assim, temos em um primeiro momento a teoria do contrato, segundo a qual o poder de direção está abalizado a partir do instante que uma pessoa concorda em prestar serviços para outra pessoa, sujeitando-se a suas ordens. São ínfimas as cláusulas do contrato em que poderá o "quase" empregado discutí-las.
Em um segundo momento temos a teoria da instituição, onde o poder de direção nasce espontaneamente, pois o empregador, enquanto empresa, se organiza de forma hierarquizada.
Por fim a autora completa com a teoria da propriedade privada, segundo a qual o poder de comando pertence ao dono da empresa.
Todas as teorias se justificam, porém a que mais se adapta ao sistema capitalista que atualmente vivenciamos é a da propriedade.
O direito de propriedade encontra-se protegido no artigo 5º, inciso XXI e seguintes, da atual Constituição, bem como encontra guarida no Código Civil, que em seu artigo 1.225, inciso I, o classifica como direito real.
Neste último diploma legal, temos ainda as faculdades que estão à disposição do proprietário em relação à coisa que ele possua ou detenha, sendo:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Ocorre que este direito também não é absoluto, podendo sofrer algumas limitações. A própria Magna Carta explicita estas situações, como o dever de cumprir sua função social.
Como vimos até agora, na relação de trabalho temos o embate de dois direitos constitucionalmente garantidos, os quais são de primeira geração, ou seja, são direitos civis e políticos inerentes a todo ser humano. Temos neste rol o direito à vida, segurança, justiça, propriedade privada, liberdade de pensamento, expressão, crença, locomoção, dentre outros.
Na efetivação de um deles pode ocorrer o confronto com o outro. Em termos práticos, o empregador ao exigir da sua empregada, no ato demissional, exame de gravidez, para se resguardar de futuras contendas judiciais, exercendo aqui o seu poder empregatício com o intuito de proteger a sua propriedade, poderá infringir o direito de intimidade que a esta lhe reserva? Esta é a questão que tentaremos chegar a uma solução.
Moraes (2006, p. 28) descrevendo sobre o embate de dois ou mais direitos que na pirâmide da hierarquia encontram-se lado a lado ensina que
...quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em ralação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua. (Grifo do autor).
A própria Constituição, em muitos desses confrontos, encontra uma saída. Neste sentido temos a proibição da pena de morte (proteção do maior bem de um ser humano), exceto nos casos de guerra declarada, conforme artigo 5º, inciso XLVI, alínea "a". Aqui nos temos o direito à vida, amplamente assegurada no nosso ordenamento jurídico, que em certos casos poderá ser violado.
Quando a própria Constituição não revela uma saída, podemos encontrá-la na legislação infraconstitucional. Mas ainda existem momentos em que nenhum desses caminhos apontados nos levará a um resultado. Nestes casos, como aponta Simón (2000, p. 124) somente "através da análise do caso concreto é que se poderá verificar qual dos direitos deve sofrer restrição."
Canotilho (apud, Simón, 2000, p. 125) esclarece que identificada a colisão, deverá ser feito um juízo de ponderação ou valoração de prevalência. E continua:
Todavia, uma eventual relação de prevalência só em face das circunstâncias concretas se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso que outro (...), ou seja, um direito (...) prefere (...) outro (...) em face das circunstâncias do fato.
Ainda, para concretizar esse juízo, o mesmo autor explica que deve-se seguir a regra da máxima observância e da mínima restrição, tendo em vista que a restrição de um direito só se justifica quando o outro é mais importante e necessário naquele caso.
A ponderação entre os direitos conflitantes deve ser embasada, segundo Farias, citado por Simón (2000, p. 125), em três princípios: 1- da unidade da Constituição: onde os diversos preceitos que compõem o texto constitucional devem ser interpretados como um todo; 2- da concordância prática: a interpretação dos preceitos constitucionais deve alcançar a concretização máxima dos direitos envolvidos, e 3- da proporcionalidade: a prevalência de um direito sobre o outro deve ser absolutamente necessária para a solução da colisão existente.
Como visto, quando identificada a colisão de dois direitos, aqui o da privacidade e o da propriedade, somente após analisado o caso a que eles se aplicam é que poderemos concluir qual deles deverá assumir uma posição superior, onde ele irá sobressair, ou se há possibilidade de uma comunhão entre os dois direitos.
A CLT não fala especificamente em direitos da personalidade. Ela expõe no seu artigo 483 situações em que podemos entender como se fossem uma tutela aos direitos da personalidade do empregado. Mas falar expressamente em direito à intimidade, ela não fala. Ao que podemos concluir que neste caso vigora as normas genéricas contidas na Constituição.
Diante desta exclusão de normas referentes à vida privada do empregado em seu maior estatuto - a CLT, a Constituição torna-se a base para que doutrina, jurisprudência e analogia possam encontrar fontes para tentar solucionar esta questão.
Contudo, a dignidade da pessoa humana é o limite que não devemos transpassar quando da escolha do caminho a ser adotado para resolver o conflito em questão. Moraes (2006, p. 16) esclarece que este fundamento da República Federativa do Brasil constitui
...um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (Grifo do autor).
Por tais motivos, quando na relação de trabalho há um embate entre o direito do empregado a sua vida privada e o direito do empregador de proteger sua propriedade, devemos sempre atender a dignidade daquele cidadão que para a solução da questão poderá ter seu direito limitado.
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4.A POSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA DE EXAME DE GRAVIDEZ NA DISPENSA IMOTIVADA
A mulher, como já visto, sempre foi alvo de discriminação, ou porque era considerada meia-força, ou porque não era inteligente o suficiente para assumir o trabalho que cabia aos homens. O trabalho no próprio lar ou em lar alheio era o ideal para o seu tipo físico e não exigia muito de sua capacidade intelectual.
Muitas foram as leis criadas para tentar minimizar esses atos discriminatórios para que a mulher tivesse um tratamento igual ao conferido aos homens naquilo em que não houvesse uma necessidade de ser diferente, devido ao aspecto físico e biológico.
4.1 A DISCRIMINAÇÃO DO TRABALHO DA MULHER
Como já mencionado em capítulo próprio, as mulheres sempre foram alvo de discriminação. A sua capacidade física e intelectual para a consecução das funções que lhes são destinadas constantemente é objeto de comparação com a dos homens.
A Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º, inciso I, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Portanto, a ambos os sexos são assegurados os mesmos direitos e estão sujeitos às mesmas obrigações, sendo diferentes apenas naquilo em que sua compleição física e biológica os diferencia, criando, por conseqüência, normas jurídicas próprias, como a diferença de idade para aposentadoria de mulheres e homens, proibição de levantamento de certa quantidade de peso diferente para ambos os sexos, dentre outros. Ocorre que "muitas vezes, estabelecer diferenças é necessário para a própria garantia da igualdade." (NOVAIS, 2005, p. 29).
Devemos ter em mente que todo ser humano é diferente, independentemente seja ele homem ou mulher, branco ou negro. Porém, diante dessas diferenças de cor, sexo, idade, não quer dizer que sejam eles desiguais.
Comparato (apud, NOVAIS, 2005, p. 28) explica sobre o assunto que
...as diferenças são biológicas ou culturais, e não implicam a superioridade de alguns em relação a outros. As desigualdades, ao contrário, são criações arbitrárias, que estabelecem uma relação de inferioridade de pessoas ou grupos em relação a outros.
4.1.1 O conceito de discriminação e outros aspectos
A Organização Internacional do Trabalho, na Convenção nº 111, conceitua a palavra discriminação em seu artigo 1º ao dispor que o termo compreende:
a) Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
Diante da milenar discriminação existente em relação ao trabalho feminino, mais do que justa a proteção ao mercado de trabalho da mulher, assegurada pela nossa Magna Carta, conforme versa o inciso XX do artigo 7º. Trata-se de uma forma indireta para que não haja discriminação da mulher quanto ao seu ingresso e permanência no mercado de trabalho. Para tanto, tais incentivos específicos serão concedidos através de lei ordinária.
Essa garantia visa assegurar às mulheres o mesmo acesso e igualdade de oportunidades de trabalho que os homens. Nesse sentido, foi promulgada a lei nº 9.799 de 26 de maio de 1999, de autoria da deputada capixaba Rita Camata, que modificou alguns dos artigos da CLT. A lei visa coibir e punir a discriminação contra a trabalhadora tanto quando do momento da inserção da mulher ao trabalho quando na manutenção do mesmo. Assim, dita o artigo supra:
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
[...]
IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
Ocorre que a lei em tela que acrescentou o artigo 373-A na CLT trouxe a mesma regulamentação da Lei nº 9.029/95, que analisaremos em momento próprio, referente à proibição de exigência de exame de gravidez.
Ambas as leis repetiram a vedação da exigência de teste de gravidez tanto para efeitos admissionais quanto para a continuidade da relação empregatícia.
Porém, a lei nº 9.029/95 penaliza tal ato com pena de detenção de 1 a 2 anos, mais multa administrativa e proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais.
Já a penalização pela infração referente ao artigo 373-A é de "pena pecuniária de 2 a 20 valores-de-referência regionais". (CALIL, 2007, P. 56).
Tendo em vista que a lei nº 9.799/99 não regulamentou inteiramente o texto da lei nº 9.029/95, não podemos falar em derrogação tácita do inciso I do artigo 2º desta última, por não ser aplicável o §1º do artigo 2º do decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução ao Código Civil, qual seja:
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regulamente inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
Para garantir que as mulheres venham alcançar essa igualdade real, o Estado faz uso de ações afirmativas buscando diminuir a desigualdade existente.
O termo ação afirmativa, ou como preferem outros autores, discriminação positiva,
é o conjunto de medidas especiais ou providências efetivas (estratégias, iniciativas ou políticas) tomadas em favor de grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores condições de competição em qualquer sociedade (em razão, na maior parte das vezes, da prática de discriminações negativas, sejam elas presentes ou passadas), com vistas a eliminar os desequilíbrios existentes entre estas categorias sociais. (MENEZES, apud NOVAIS, 2005, p. 37).
Porém, diante da característica de favorecimento das ações afirmativas em relação a determinados grupos pré-estabelecidos, aqueles que ficam de fora deste sentem-se injustiçados, criando novas "...situações de discriminação, denominadas, neste casos, discriminação inversa". (NOVAIS, 2005, p.41, grifo do autor).
Um exemplo imaginário desta figura seria a reserva de um certo percentual de vagas nas empresas públicas destinadas às mulheres negras. O Estado buscando reparar injustiças do passado e promover o aumento de trabalhadoras negras no setor público através desta ação, estaria discriminando as mulheres de outras etnias.
4.1.2 Normas internacionais
4.1.2.1 A organização internacional do trabalho
A mais alta organização mundial relativa ao direito do trabalho é a Organização Internacional do Trabalho – OIT. Instituída em 25 de janeiro de 1919, e conforme Calil (2007, p. 29) foi originada na parte XIII do Tratado de Versalhes que registra:
a sociedade das Nações tem por objetivo estabelecer a paz universal, que não pode ser fundada senão sobre a base da justiça social;
existem condições de trabalho que implicam para um grande número de pessoas em injustiça, miséria e privações;
a não-adoção por uma nação qualquer de um regime de trabalho realmente humanitário é um obstáculo aos esforços dos demais, desejosos de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus pró-prios (sic) países. (CALIL, 2007, p. 29).
Portanto, percebemos que a criação dessa organização originou-se da necessidade de uma universalização das leis trabalhistas para garantir o desenvolvimento das relações de trabalho.
"As convenções são tratados multilaterais sujeitos à ratificação pelos Estados-membros, enquanto as Recomendações sugerem normas que podem ser adotadas pelos legisladores dos países vinculados à OIT." (NOVAIS, 2005, p. 64).
As primeiras convenções relacionadas a mulher são as de nº 3 e de nº 4. Tratam, respectivamente, da licença remunerada à mulher antes e após o parto e da proibição do trabalho noturno das mulheres.
A convenção nº 100 refere-se a igualdade de remuneração entre a mão-de-obra feminina e a mão-de-obra masculina, quando o trabalho realizado por ambos os sexos for de valor igual.
Muitas são as normas internacionais que protegem a mulher enquanto trabalhadora. Possivelmente não são adotadas tendo em vista que dependem da aceitação social daquele Estado, ou melhor, em muitos países o costume e a cultura formam um escudo contra a implantação ou mesmo transformação de leis com o intuito de promover a igualdade de seus direitos.
4.1.2.2 A declaração universal dos direitos humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948, visa reafirmar a igualdade de todo ser humano, independentemente de suas diferenças físicas e sociais. Raros são os países que não adotaram essa recomendação.
Em seu preâmbulo podemos perceber o destaque que é dado ao princípio da igualdade e a preocupação de, desde já, reconhecer que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos.
4.1.2.3 A convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher
A convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher foi adotada em 1979 pela 34ª Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas.
Logo em seu artigo 1º a citada convenção define discriminação contra a mulher como
toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (NOVAIS, 2005, p. 60)
Os Estados signatários desta convenção devem adotar medidas visando o desenvolvimento da mulher tendente a eliminar as práticas baseadas em conceitos falsos, como sendo a mulher inferior ao homem.
A citada convenção aborda duas vertentes de atuação: "uma representativa-punitiva, com a proibição da discriminação e outra positiva-promocional, com a promoção da igualdade entre os sexos." (NOVAIS, 2005, p. 61).
4.1.3 Momento da discriminação
A discriminação poderá ocorrer em três momentos: na admissão, durante a relação laboral e no término desta.
A prática do ato de discriminação na admissão verifica-se "mediante anúncios de emprego ou de um modo mais discreto, por meio do departamento de pessoal, que acata a política da direção." (BARROS, 2007, p. 1099).
Para tentar mascarar a intenção de não contratar mulheres, nos anúncios constam certas características a respeito do biotipo do candidato, como resistência física, para eliminar de pronto aquelas mulheres desprovidas de tal predicado. Afinal, culturalmente falando, homem que é homem já nasce forte e pronto para qualquer tipo de trabalho. Já as mulheres... E aquelas que não se amedrontam com tal requisito, são barradas na entrevista. Claro que só chegam nesta fase para não chamar a atenção da fiscalização constante da sociedade e dos órgãos específicos destinados a controlar tal situação.
No curso da relação empregatícia, a discriminação velada poderá ser verificada quando as empregadas são sujeitas a desempenhar tarefas que demandem qualificação inferior, nunca são promovidas, mesmo que tenham capacidade para assumir um posto que demande maior responsabilidade.
Já na dissolução do pacto laboral poderá ocorrer discriminação "quando o empregador, alegando necessidade de conter gastos, dispensa empregados, mas apenas os do sexo feminino e em idade de procriação." (BARROS, 2007, p. 1099).
Um fato atual a respeito da discriminação da mulher durante a relação de emprego é o caso da bandeirinha Ana Paula Oliveira. Após posar nua para uma revista masculina, Ana Paula vem sendo hostilizada pela maioria das pessoas no seu meio de trabalho. As próprias torcidas de futebol estão fazendo pressão para que ela seja demitida, alegando que a mesma não teria mais moral para se impor dentro de campo. Ocorre que mesmo antes do fato de ter sido fotografada para tal revista, ela já era alvo de discriminação. Os erros que cometia na arbitragem eram sempre justificados na sua qualidade de ser mulher, e afinal, como pensam os homens, mulher não entende de futebol.
4.1.4 Formas de discriminação
Barros (2007, p. 1102) relata que a discriminação se apresenta de forma direta, indireta e oculta. Está presente em vários seguimentos da sociedade, e como não haveria de ser, também encontra-se no meio do trabalho.
A discriminação direta é conceituada "como o ato por meio do qual se atribui ao empregado um tratamento desigual, com efeitos prejudiciais, fundado em razões proibidas (raça, sexo, estado civil, idade ou outra característica enumerada na lei)..." (BARROS, 2007, p. 1102). É por exemplo, não contratar mulheres para ser empregada.
Em contrapartida, a discriminação indireta "traduz um tratamento formalmente igual, mas que produzirá efeito diverso sobre determinados grupos". (BARROS, 2007, p. 1102). Neste caso, temos a instituição em uma dada empresa de adicional de remuneração a apenas um tipo de função, em que os ocupantes são todos homens.
Já a discriminação oculta caracteriza-se pela intenção de discriminar mas que não é confessada. Esta vem "disfarçada sob a forma de outro motivo e o verdadeiro é ocultado, daí sua intenção de discriminar." (BARROS, 2007, p. 1102). Temos aqui como exemplo, um empregador que contrata apenas advogados homens, pois pensa que as mulheres não são tão inteligentes para assumir tal função em sua empresa, e utiliza-se da desculpa de que sua esposa é muito ciumenta e caso contratasse uma advogada, esse ato poderia causar-lhe problemas em seu casamento.
Contudo, não podemos falar em discriminação o ato do empregador recusar-se a contratar uma mulher para trabalhar no vestiário masculino do departamento de uma empresa desse setor. Impossível seria a contratação de uma mulher para essa função.
Assim, "não constitui discriminação a diferença de tratamento baseada em religião, convicções pessoais, se estas últimas constituírem requisito essencial ao desenvolvimento da atividade profissional, tendo em conta a sua natureza e o contexto em que ela vem espelhada." (BARROS, 2007, p. 1103, grifo do autor).
4.2 A LEI Nº 9.029/95 E SUAS ESPECIFICIDADES RALACIONADAS À MULHER
A lei em tela retrata sobre atos discriminatórios para efeito de acesso ou manutenção da relação de trabalho. Ela não versa apenas sobre a proteção destinada á mulher, e sim abrange a figura de qualquer trabalhador que por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, venha a sofrer alguma discriminação.
Especificamente em relação à trabalhadora, o artigo 2º do referido comando legal expõe:
Art. 2º. Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:
I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;
[…]
Pena: detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
Assim, observamos que este artigo diz respeito apenas às mulheres, tendo em vista que ele trata da figura feminina em estado de gestação ou não.
Importante ressaltar que a lei nº 9.029/95 delimita as situações em que a exigência do exame de gravidez configura crime, ou seja, somente para efeitos admissionais e de permanência no emprego é que o ato de exigir exame médico para confirmação de gravidez caracteriza ato discriminatório.
O simples ato de solicitar que a funcionária realize o exame não imputa ao empregador a pratica do ilícito supracitado. Quando o patrão solicita a realização do exame, a empregada poderá ou não atender. A lei fala apenas em exigir, que significa ordenar, requerer. Já o sentido da palavra solicitar é mais brando, significa pedir, rogar.
Assim, quando o empregador exige que a sua empregada realize tal exame, usando da sua prerrogativa de dono do estabelecimento, estando, por conseqüência, hierarquicamente superior, aquela deverá cumprir a ordem que lhe foi repassada, com exceção das ordens ilícitas ou emanadas por uma pessoa que não tenha legitimidade para ordená-las.
Neste caso, a empregada sente-se coagida a atender a ordem do seu patrão, pois caso não a cumpra, poderá ser-lhe aplicada alguma penalidade.
Porém, quando o caso é de solicitar, a empregada sente-se mais à vontade para não realizar o que lhe foi pedido, tendo em vista que aqui não falamos em descumprimento de ordem e sim em não atendimento ao pedido.
4.2.1 O caráter penal do artigo 2º
As leis penais não encontram-se descritas apenas no Código Penal Brasileiro. Estas estão inseridas em outros códigos ou mesmo em dispositivos referentes a determinadas matérias.
Analisando a reprodução idônea do artigo 2º da Lei 9.029/95 na seção anterior, percebemos que trata-se de uma norma penal, ou seja, esta "compõem-se de duas partes: o comando principal (ou preceito primário) e a sanção (ou preceito secundário)." (MIRABETE, 2007, p. 30).
Mesmo que não faça parte do nosso maior compêndio em matéria criminal – o Código Penal, a lei em tela deve obedecer às mesmas regras quanto a interpretação, princípios, classificação, vigência, revogação, etc., que vigora naquele, ou melhor, que vigora em toda lei de cunho penal.
O mais importante dos princípios do direito penal é certamente o princípio da legalidade ou também conhecido como princípio da reserva legal. Ele encontra-se tanto na nossa Constituição em seu artigo 5º, inciso XXXIX, quanto no artigo 1º do Código Penal.
De acordo com o princípio da legalidade uma pessoa só poderá ser punida por algo que praticou se existir uma lei que considere aquele fato como crime. Mesmo que o fato venha a causar, como exemplo, uma certa repulsa na sociedade, se não está descrito na lei, não será crime.
Conforme Mirabete (2007, p. 84) são características do crime a tipicidade e a antijuricidade. Pela primeira, temos um comportamento humano, positivo ou negativo, ou seja, ação ou omissão, que provoca um resultado previsto em lei. Já a segunda é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico.
Temos ainda os requisitos específicos do delito, ou seja, as circunstâncias elementares. Elas são identificadas pelos verbos que descrevem a conduta típica. No delito em que estamos analisando esta é identificada pelo verbo exigir.
Ressalte-se que a lei em estudo apenas considerada crime o ato de exigir exame de gravidez para efeitos admissionais ou de permanência na relação de trabalho.
Sendo assim, para que ocorra o crime descrito na lei em estudo, o empregador deve exigir a realização do exame. O simples pedido, requisição, não configura ilícito penal, pois como já comentado, ao verbo exigir temos uma conotação de ordem, obrigação, bem diferente dos verbos pedir e requisitar.
Além disso, não basta apenas que o sujeito ativo do crime, o empregador, exija que o sujeito passivo, a empregada, realize o exame para confirmação ou não da natureza gravídica. Esta conduta deve ser realizada no processo seletivo, quando ainda não foi formalizada a contratação da futura trabalhadora, ou durante a relação de emprego.
Ressalte-se que a lei nº 9.029/95 considera crime a exigência de exame de gravidez apenas para efeitos admissionais ou de permanência da relação de trabalho, não fazendo qualquer menção quando do momento da dispensa. Sendo assim se o empregador, no ato da dispensa de sua empregada, exige que ela realize tal exame, não incorrerá na conduta descrita na lei. Não será crime e o mesmo não poderá ser apenado por esta ação.
Observando o princípio da legalidade, o ato de exigir tal exame na dispensa não pode ser considerado crime tendo em vista que não está previsto na lei. E interpretá-la ampliativamente não é possível pois como ensina Mirabete (2005, p. 102):
É vedada também, em decorrência do princípio da reserva legal, a aplicação da analogia in malam partem no direito penal incriminador, bem como a interpretação integrativa ou ampliativa. Ao contrário, devem ser interpretadas estritamente as disposições incriminadoras e cominadoras de pena. Exige o princípio da legalidade que a lei defina abstratamente um fato, ou seja, uma conduta determinada, de modo que se possa reconhecer qual o comportamento considerado ilícito. (Grifo do autor).
Diante do exposto, entendemos não haver crime quando o empregador, buscando se salvaguardar de futuras contendas judiciais, requisita o exame para a comprovação ou não da natureza gravídica a sua empregada no ato da demissão, tendo em vista que este fato não se enquadra na figura típica constante do artigo 2º da lei nº 9.029/95.
4.3 A ESTABILIDADE DA TRABALHADORA GESTANTE
A garantia de estabilidade da gestante é garantida à mulher trabalhadora desde a Constituição de 1934, exceto a de 1937.
À mulher grávida é assegurado o emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, sendo vedada portanto, sua dispensa arbitrária ou sem justa causa, conforme artigo 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da nossa atual Constituição.
Assim, caso a empregada gestante venha a ser demitida, fica assegurada à mesma a reintegração no emprego. Porém, o retorno da trabalhadora ao serviço só acontecerá se o pedido se der durante o período da estabilidade (inciso II da súmula 244 do TST).
Caso essa demissão ocorra por motivos discriminatórios, como uma gravidez, caberá à empregada, conforme artigo 4º da lei nº 9.029/95, escolher entre a sua readmissão ao serviço com o ressarcimento integral de todo o período de afastamento, corrigido monetariamente, ou a percepção em dobro da sua remuneração durante o período de afastamento, também corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
A súmula 244 do TST versa ainda, em seu inciso III, uma exceção em relação à aquisição da estabilidade provisória pela trabalhadora gestante ao estabelecer que, nos casos de contrato de experiência, a empregada não terá direito a referida estabilidade tendo em vista que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Quanto ao momento da confirmação da gravidez, há duas correntes a respeito, conforme Jorge Neto e Cavalcante (2003, p. 947): a primeira é a teoria objetiva, onde a confirmação se concretiza no momento em que a empregada tem ciência da sua condição de grávida; em contrapartida, com a teoria da responsabilidade subjetiva, a confirmação da gravidez faz-se válida no momento em que a empregada comprova seu estado gravídico, mediante atestado médico, ao seu empregador.
Firmamos nosso entendimento com a teoria da responsabilidade objetiva. Esta representa muito bem a súmula n. 244 do TST que prescreve que "o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade." Ou seja, mesmo o empregador desconhecendo que sua empregada encontra-se grávida, ele deverá arcar com todas as indenizações ou mesmo deverá reintegrá-la, caso esta seja despedida, pois já é detentora de estabilidade provisória.
Porém, em consulta ao site do TST foi noticiado em 15 de agosto do corrente ano que independe de conhecimento prévio de ambas as partes para a aquisição da estabilidade provisória da empregada gestante. Segue a notícia do citado tribunal:
O direito à estabilidade provisória da gestante, instituído pela Constituição Federal, não depende do prévio conhecimento do empregador ou da própria empregada sobre a existência da gravidez. Este é o entendimento da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que deu provimento ao recurso contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP).
Trata-se de questão envolvendo uma trabalhadora que, após ser dispensada, ajuizou ação contra seu ex-empregador, requerendo a estabilidade por gravidez, o que foi reconhecido em sentença do juiz de primeiro grau. A empresa recorreu da sentença e obteve a sua revisão, valendo-se do fato de que a comprovação da gravidez só fora feita dias depois da demissão, mediante apresentação de exame de ultra-sonografia. A empregada tentou anular a decisão, mediante embargo de declaração, mas o TRT negou-lhe provimento: manteve seu entendimento com base na ausência de comprovação da gravidez nos autos, ressaltando que a empregada não apresentou atestado médico nem demonstrou a recusa do empregador em dar ciência sobre a gestação, o que a levou a apelar ao TST.
O relator da matéria, ministro João Batista Brito Pereira, deu provimento ao recurso e determinou à empresa o pagamento dos salários e das vantagens correspondentes ao período garantido pela estabilidade provisória à gestante, com fundamento na Súmula 244, que firmou o entendimento do TST sobre a questão. O voto, aprovado por unanimidade pela Quinta Turma, ressalta que o direito à estabilidade provisória, em decorrência de gravidez, independe do prévio conhecimento do empregador ou da própria gestante.
Após considerar que a expressão "confirmação da gravidez", contida na Constituição Federal, deve ser entendida como "certeza da gravidez", pois tem o objetivo de proteger a trabalhadora desde o início da gestação, o ministro conclui: "O momento em que se obtém essa certeza (confirmação da gravidez) não é referido na norma constitucional, sendo inaceitável que seu intérprete lhe dê inteligência prejudicial à parte a quem ela visa acudir". (RR 1604/2003-003-02-00.2)
Certamente após o atual entendimento do Tribunal Superior do Trabalho os doutrinadores farão uma revisão das teorias quanto ao momento da confirmação da gravidez para a aquisição da estabilidade provisória.
Insta comentarmos que até poucos meses atrás, a empregada doméstica não tinha direito a estabilidade provisória proveniente de uma gravidez, embora seja destinatária da licença à maternidade. A própria Constituição da República não incluiu essa prerrogativa quando arrolou, no parágrafo único do artigo 7º, os direitos assegurados a esta categoria.
Sobre o assunto, Barros (2007, p. 347) verifica que
[…] obrigar uma família a manter um empregado doméstico, a pretexto de uma estabilidade provisória, quando a confiança deixa de existir, afronta a natureza humana, violando a privacidade, invadindo o domicílio e contrariando os preceitos constitucionais.
Ocorre que, com a promulgação da Lei nº 11.324 em julho de 2006, que acrescentou o artigo 4º-A na Lei nº 5.859 de 1972, ficou estabelecida a vedação da dispensa arbitrária ou sem justa causa à empregada doméstica gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Ou seja, estendeu-se a empregada doméstica a mesma estabilidade provisória referente às outras categorias de trabalhadoras.
Barros (2007, p. 348) ressalta que diante da nova realidade normativa,
não vemos como obrigar uma família a manter uma empregada doméstica em sua residência sob o pretexto da estabilidade provisória, sob pena de violação à vida privada, invasão de domicílio e contrariedade ao preceito constitucional (artigo 5º, X e XI), mas a pagar-lhe os seus efeitos, que se restringirão à reparação pecuniária correspondente.
O que se busca garantir com a estabilidade provisória da mulher trabalhadora é a sua saúde e a do seu bebê, desde a confirmação da gravidez, sem que seja necessária a ciência do empregador deste fato, até cinco meses após o parto. "A dispensa injusta ou arbitrária da empregada nessas circunstâncias é nula. A responsabilidade do empregador é objetiva. São suficientes a prova da gravidez e da despedida injustificada." (BARROS, 2007, p. 965).
4.4 LICENÇA À MATERNIDADE
O salário-maternidade é uma licença remunerada que é conferida à mulher, sem prejuízo do seu emprego, em razão do nascimento do seu filho.
Este é devido à empregada, conforme artigo 71 da Lei nº 8.213 de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, pelo prazo de 120 dias, com início no período entre vinte e oito dias antes do parto e a data de ocorrência deste. O § 1º do artigo 392 da CLT deu oportunidade para que o afastamento antes do parto ocorra entre os 28 dias que o antecedem, podendo assim a gestante permanecer mais tempo com seu filho, sendo este um dos principais motivos pelo qual a mulher trabalhadora prolonga para a quase véspera do parto o início do gozo da licença-maternidade.
Mesmo que haja antecipação do parto, fica assegurada a licença pelo período de cento e vinte dias.
Para que a empregada comece a fruir de tal benefício é necessário que a mesma instrua o requerimento com os atestados médicos necessários (artigo 95 do Decreto nº 3.048, de 1999).
Caso a trabalhadora, conforme artigo 98 do supracitado decreto, tenha dois ou mais empregos concomitantes, a mesma fará jus ao salário-maternidade relativo a cada emprego.
O pagamento do salário-maternidade da segurada empregada será feito pela empresa a qual preste serviços, onde a mesma será compensada quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, conforme § 1º do artigo 72 da Lei nº 8.213/91. Já o pagamento referente às outras empregadas e/ou seguradas é feito diretamente pelo INSS.
O valor do benefício para a segurada empregada e trabalhadora avulsa é a mesma quantia referente a sua remuneração integral, com exceção dos descontos. Para a trabalhadora empregada doméstica ele corresponde ao valor do seu último salário de contribuição. Para a segurada especial, um doze avos do valor sobre o qual incidiu sua última contribuição anual. Às demais seguradas, o salário-maternidade corresponde a um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em um período não superior a quinze meses.
Ocorre que a Emenda Constitucional nº 20, que fixou como valor máximo para os benefícios do regime geral da previdência social, incidindo então sobre a salário-maternidade, a quantia de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), devendo ser atualizado de forma a preservar seu valor real, afrontou o artigo 7º, inciso XVIII da Constituição que assegura à mulher gestante a garantia de emprego sem prejuízo do seu salário.
Ora, e o que aconteceria com o valor que ultrapassasse o teto instituído? "Editou-se então a Portaria nº 4.883 datada de 1998, estabelecendo que o excedente ao teto de R$ 1.200,00 deveria ser pago pelo empregador.
Diante dessa situação fica claro que transferir esse encargo ao empregador geraria um aumento ainda maior em relação a discriminação da mulher no meio laboral. Certamente o número de demissão feminina em idade reprodutiva iria aumentar e a contratação de mulheres nesta mesma condição iria diminuir, pelo menos no que diz respeito às funções remuneradas acima do teto estabelecido.
Porém, somente após a "[...] ADIn n. 1946-5-DF, onde se impugnou o teor da Emenda n. 20, de 1998, e a Portaria n. 4.883 [...]" foi que o STF "[...] deferiu a liminar postulada naquela ação, esclarecendo que a Previdência Social deve arcar integralmente com o benefício da licença-maternidade [...]." (BARROS, 2007, p. 1078).
O salário-maternidade não obedece ao teto instituído como valor máximo dos benefícios do regime geral da previdência social. A mulher que fizer jus ao citado benefício receberá o valor total do seu salário.
Porém, conforme resolução nº 236 do Supremo Tribunal Federal, datada de 19 de julho de 2002, a trabalhadora que receber salário superior ao de Ministro do Supremo Tribunal Federal, terá o salário-maternidade limitado a esse teto.
Em relação a empregada doméstica, conforme Barros (2007, p. 1066) apenas com a promulgação da Constituição de 1988, em seu artigo 7º, parágrafo único, estendeu-se a esta categoria o direito a receber o salário-maternidade.
Ainda, em ocorrendo a morte da beneficiária da licença-maternidade no curso desta ou mesmo durante o parto, este fato ocasiona a cessação da obrigação do pagamento do benefício salário-maternidade, independentemente se o encargo era suportado pelo INSS ou pelo empregador, tendo em vista que houve a extinção do contrato de trabalho. (BARROS, 2007, p. 1071).
Dessa forma, buscou-se aqui reconhecer que o encargo do pagamento do salário-maternidade é de responsabilidade do Estado, ou melhor, de todos nós. O contrário, o valor que ultrapassasse o teto dos benefícios do regime geral da previdência social ficasse a cargo do empregador, certamente geraria discriminação contra a mulher. Isto seria um grande óbice à contratação ou mesmo permanência de mulheres em idade reprodutiva.
Com a promulgação da lei nº 10.421 de 15 de abril de 2002, que acrescentou o artigo 392-A na CLT, as mães adotivas passaram a ter direito à licença-maternidade, igualmente como é concedido às mães biológicas.
Contudo, o período do referido direito é escalonado de acordo com a idade da criança. Varia de 120 dias quando adotada uma criança de até 1 ano, a 30 dias de licença quando adotada uma criança entre 4 a 8 anos.
Calil (2007, p. 61) observa que a lei em tela ignorou o nosso sistema legal, tendo em vista que o Estatuto da Criança e do Adolescente definem como criança a pessoa até 12 anos incompleto, e que a lei nº 10.421/02 não fez qualquer menção em ralação a adoção de uma criança entre 8 e 12 anos.
Consideramos injusta essa proporção de tempo de licença à maternidade em relação a idade da criança tendo em vista que a adaptação, o trabalho, o nascimento da relação de afeto entre mãe e filho independem da idade do adotado.
Ainda sobre o tema a autora expõe que encontra-se em trâmite no Congresso Nacional proposta de emenda constitucional para acrescentar ao artigo 7º do mesmo diploma, o direito da mãe adotiva ser beneficiada com a licença-maternidade. Nada mais justo conceder a estas mulheres o direito de estarem com os seus filhos nestes primeiros meses de convívio.
A Lei nº 10.421/02 poderia ter avançado mais ao conceder licença-paternidade ao pai adotivo. Barros (2007, p. 1068) ensina que
o legislador inspirou-se mais nas relações domésticas (a mãe também se ocupada da criança adotada) e não na preocupação a respeito da repartição dos papéis familiares, pois se fosse essa a sua intenção, teria estendido também ao pai adotivo a licença obrigatória, que corresponde ao período pós-parto...
O pai adotivo tem as mesmas dificuldades de adaptação, de perdas de noites de sono, ou seja, de exigências físicas e emocionais, com o filho adotado quanto a mãe adotiva. O despreendimento de tempo por parte do pai para que haja o nascimento do amor fraternal deve ser o mesmo destinado à mãe.
4.5 EXAME MÉDICO
A Constituição reconhece a todo trabalhador o direito à saúde ao dispor:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:
[…]
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
O trabalho é um dos principais geradores de dano à saúde do ser humano. Diante desse fato, a CLT em seu artigo 168 dita que será obrigatório exame médico no empregado, por conta do empregador, por ocasião da admissão, da demissão e periodicamente.
O principal motivo da realização do referido exame é aferir a capacidade física e mental do empregado para a realização da sua função.
A norma regulamentar número 7 (NR 7), estabelece que todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados devem implementar o programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO), com o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus trabalhadores.
A citada NR estabelece os parâmetros mínimos e as diretrizes gerais que devem ser observados pelos empregadores para a execução do PCMSO, dando margem para que os mesmos possam ser ampliados mediante negociação coletiva.
Este programa inclui a realização de exames médicos considerados obrigatórios em várias situações da relação empregatícia. Assim, são exigidos que os empregados se submetam a exames admissionais, periódicos, de retorno ao trabalho, de mudança de função e demissional.
Conforme a norma regulamentar nº 7, o exame médico admissional tem como objetivo verificar se o trabalhador está apto a assumir a função pela qual foi contratado e deve ser realizado antes que o trabalhador assuma suas atividades.
O exame periódico realizado no empregado tem como pressuposto analisar a sua saúde e, caso detectado alguma doença, encaminhá-lo para tratamento.
Já o exame médico de retorno ao trabalho deverá ser realizado no primeiro dia em que o empregado volta a trabalhar quando ausente por 30 dias ou mais, por motivo de doença ou acidente, sendo de natureza ocupacional ou não, ou mesmo pela trabalhadora que retornar ao serviço por motivo de parto.
Assim como no exame admissional, o exame médico de mudança de função deverá ser realizado antes da data da mudança. No entender desta NR mudança de função é toda e qualquer alteração de atividade, posto de trabalho ou de setor que implique a exposição do trabalhador à risco diferente daquele a que estava exposto antes da mudança.
Finalizando, o exame médico demissional deverá ser realizado até a data em que for homologada a rescisão contratual e tem como objetivo verificar se o trabalhador está em condições de conseguir nova colocação no mercado de trabalho.
A Consolidação do Trabalho no § 2º do artigo 168 permitiu ainda que fossem realizados exames complementares, a critério médico, a fim de verificar a capacidade física e mental do empregado. O resultado desses exames, incluindo aqueles obrigatórios, devem ser comunicados aos trabalhadores, observados os preceitos da ética médica (§ 5º do mesmo artigo).
Com o resultado em mãos, o empregador poderá direcionar o trabalhador a realizar a atividade condizente com seu estado de saúde. Da mesma forma, quando realizados exames periodicamente e o mesmo ficar ciente que o seu empregado é portador de alguma doença, este será encaminhado para tratamento, evitando assim que a saúde do empregado piore e, em conseqüência, que a realização de suas atividades fique prejudicada.
A espécie de exame médico a ser realizado varia de acordo com a idade, o risco e o tipo da atividade que o empregado vai exercer, o tempo de exposição, dentre outros.
Diante dessa posição de subordinação em que o empregado se encontra na relação de trabalho, caso o trabalhador se recuse a realizar algum tipo de exame no momento da contratação, fatalmente ele não será contratado. Da mesma forma a demissão será a atitude tomada pelo patrão caso haja essa recusa durante a relação empregatícia.
Ocorre que, dependendo do tipo de exame médico requisitado ao trabalhador, este poderá ser considerado uma invasão à intimidade do mesmo. Simón (2000, p. 133) ressalta que
mesmo que o legislador infraconstitucional determine que o resultado seja conhecido pelos trabalhadores, é imprescindível que eles tomem ciência dos tipos de exames a que se submeterão, antes da realização dos mesmos. Dessa maneira, se a exigência extrapolar o poder de direção do empregador, eles, além de se recusarem a realizá-los, poderão tomar as medidas judiciais cabíveis.(Grifo do autor).
Sendo assim, verificamos que a nossa legislação determina que faz-se necessário, em determinados momentos da relação laboral, que o trabalhador seja submetido a exames clínicos, objetivando, quando identificada alguma doença, a interrupção da prestação do serviço para que o mesmo possa se restabelecer e dar continuidade a realização da sua função.
4.5.1 O exame de gravidez
A lei nº 9.029/95 estipula, como já dissemos, que constitui crime a exigência de exame de gravidez, ou mesmo de teste, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer forma que demonstre a esterilização da mulher, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.
Assim, requisitar que uma mulher realize exame de gravidez tanto quando candidata a uma vaga em determinado emprego ou, mesmo o empregador, no curso do pacto laboral, exigir que sua empregada realize tal exame, é no mínimo uma ingerência em sua vida íntima e um ato de discriminação.
A possibilidade de exigir testes de gravidez das mulheres candidatas a um emprego ou empregadas encontrará óbices em dois valores fundamentais: no direito à intimidade e à vida privada e no direito de não-discriminação. Submeter a mulher a esse tipo de tratamento, pela condição pura e simples de ser mulher, fere, portanto, o princípio da igualdade. (SIMÓN, 2000, p. 134, grifo do autor).
A lei em tela vem ratificar a proteção à mulher grávida que está a procura de emprego, pois caso o empregador esteja ciente do estado gravídico da mesma, dificilmente iria empregá-la.
Contudo, não encontramos razões para caracterizar como um ato discriminatório a exigência de teste de gravidez quando certa a demissão. O empregador, no uso do seu poder diretivo e buscando proteger a sua propriedade, exige que sua empregada realize o exame de gravidez para, caso o resultado seja negativo, demiti-la, arcando apenas com as verbas rescisórias de uma dispensa sem justa causa, se este for o caso. Em sendo o resultado positivo, ela permanecerá no emprego até que cesse a sua garantia constitucional da estabilidade provisória.
Hodiernamente, muitos são os casos em que a empregada, sabedora da sua situação gestacional, omite tal fato no ato da dispensa. Posteriormente busca amparo judicial para que seja reintegrada ou mesmo indenizada. Ocorre que neste caso, diante da má-fé da empregada, o empregador além de ter que cumprir o que foi determinado judicialmente, se furta da contraprestação do serviço da ex-empregada durante o período da dispensa até a decisão judicial, caso a trabalhadora tenha optado pela reintegração.
Assim, entendemos que o empregador poderá exigir exame de gravidez para sua empregada no ato demissional, pois sem o referido exame o mesmo não teria como verificar se a trabalhadora encontra-se ou não grávida e, em caso positivo, manter a relação de emprego.
Nesse mesmo sentido, Martins (1996, p. 105) pondera sobre o assunto ao afirmar que
...a prática do empregador de exigir o exame médico para a dispensa da empregada gestante é um ato de garantia para as próprias partes da condição de estabilidade da obreira, para efeito da manutenção da relação de emprego, não representando discriminação, infração administrativa ou outra qualquer. Não se trata, assim, de discriminação, pois, ao contrário, está se verificando se a empregada pode ou não ser dispensada, pois sem o exame não se saberá se a empregada estava ou não grávida quando da dispensa, que implicaria ou não a reintegração.
Embora a obra supracitada tenha sido publicada há mais de 10 anos, o autor continua com a mesma opinião sobre esta questão em seus trabalhos mais recentes.
Portanto, o exame de gravidez, sendo um meio do empregador comprovar ou não o estado gravídico da empregada que está sendo demitida, é uma vantagem tanto para a trabalhadora, que ciente do resultado positivo ficará tranqüila em virtude da garantia de percepção do seu salário até o quinto mês subseqüente ao parto, e ao patrão, que permanecendo com a trabalhadora no rol dos seus empregados, estará amparado pela previdência social quando do período relativo à licença maternidade, ou seja, será ressarcido do valor que pagou a sua empregada durante o período do referido benefício via compensação de recolhimento da contribuição sobre a sua folha de pagamento.
Para entendermos melhor a importância da realização deste exame quando do término do pacto laboral necessária a analogia com os exames demissionais legalmente instituídos.
Como já dissemos, os exames médicos no período demissional são utilizados para comprovar se o trabalhador está apto a conseguir uma nova colocação no mercado de trabalho. A finalidade desse exame é conferir garantia de estabilidade ao empregado em caso de diagnóstico de alguma doença que tenha o cunho legal de gerá-la.
Certamente, a inserção do exame de gravidez no rol dos exames demissionais, obviamente que apenas dirigido à trabalhadora em fase reprodutiva, teria a mesma finalidade que os demais exames, pois, da mesma maneira que dificilmente alguém empregaria um trabalhador que em razão de alguma doença tenha a capacidade de trabalho reduzida, uma mulher grávida encontraria as mesmas dificuldades.
Insta ressaltar a importância do sigilo dos resultados de qualquer exame realizado pelo funcionário.
As informações relacionadas aos empregados, diante da era tecnológica em que vivenciando, são armazenadas na sua quase totalidade em aparatos eletrônicos.
Assim, diante da necessidade de restringir o acesso a quem de direito sobre essas informações, a lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984, veio regular a matéria sobre a proteção ao sigilo desses dados, dispondo o que segue:
Art. 2º A Política Nacional de Informática tem por objetivo a capacitação nacional nas atividades de informática, em proveito do desenvolvimento social, cultural, político, tecnológico e econômico da sociedade brasileira, atendidos os seguintes princípios:
[...]
VIII – estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e técnicos para a proteção do sigilo dos dados armazenados, processados e veiculados, do interesse da privacidade e de segurança das pessoas físicas e jurídicas, privadas e públicas;
IX – estabelecimento de mecanismos e instrumentos para assegurar a todo cidadão o direito ao acesso e à retificação de informação sobre ele existentes em bases de dados públicas ou privadas;
Podemos observar que o inciso IX da citada lei refere-se ao habeas data já consagrado em nossa Constituição, em seu artigo 5º, inciso LXXII.
"O consentimento para a divulgação desses dados pessoais deverá ser explicitado em documento hábil." (BARROS, 1997, p. 157). Este é mais um cuidado que o empregador deverá ter para evitar que a comunicação de dados referentes ao seu empregado não venha a ser declarada judicialmente como transmissão de dados sigilosos e conseqüente intromissão à vida íntima do empregado.
Portanto, a divulgação do resultado do exame de gravidez é que configurará uma violação à intimidade da empregada. A simples exigência da realização de tal exame constitui mais uma norma de proteção aos direitos das partes de uma relação de trabalho.
Necessário se faz a obrigatoriedade da realização do exame de gravidez no ato da dispensa de qualquer empregada, desde que em idade reprodutiva.
Finalmente observamos que o principal objetivo para que seja realizado o citado exame médico na fase resilitória da prestação do serviço é para que as partes se salvaguardem de futuras contendas judiciais.
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CONCLUSÃO
Por todo o exposto, ressaltamos a importância do caminho trilhado pelas mulheres, desde o período de escassa legislação onde a rejeição da sociedade à mulher trabalhadora era enorme, passando após, por uma fase de proibição, sustentada pelas falsas fragilidade e baixa competência da figura feminina para exercer o mesmo ofício que os homens, até chegarmos ao estado atual, onde as normas de proteção a essas mulheres firmam-se na preocupação de melhorar as condições de trabalho destas antes e após o parto, único momento em que realmente há necessidade de leis diferentes, dada sua função social.
Feita essa análise quanto ao histórico do trabalho da mulher, estabelecemos os direitos e deveres de ambas as partes na relação empregatícia: ao empregador cabe o dever de dirigir as atividades do empregado através de normas contratuais, escritas ou verbais, podendo ainda fiscalizar e vigiar o mesmo quando da realização da sua função, devendo em contrapartida, pagar o salário ajustado. Já o trabalhador tem o dever de cumprir as ordens emanadas pelo seu superior hierárquico, desde que ordens lícitas, devendo, ainda, desempenhar bem a sua função e com diligência.
Tratamos também, do direito à intimidade do empregado. Este, amplamente assegurado pela nossa atual Magna Carta, deve ser mantido em uma relação laboral mesmo que diante da suposta superioridade de uma das partes. Ocorre que o direito à intimidade não é absoluto, principalmente quando esbarra no também direito fundamental do empregador de proteger a sua propriedade. Entendemos que a solução para o embate desses dois direitos de primeira geração será com a análise do caso concreto.
Constatamos que a evolução normativa referente a proteção ao trabalho da mulher é mais uma tentativa para diminuir a discriminação ainda latente quando da contratação e permanência da mulher em um posto de trabalho. Assim, colocou-se a cargo de toda a sociedade, representada pela previdência social, o pagamento pela ausência ao serviço dos períodos necessários para uma boa gestação e recuperação dessa trabalhadora após o parto, garantindo-se a esta o direito de permanecer no serviço até cinco meses a contar do nascimento da criança.
Observamos ainda que tanto quando na admissão, no decorrer e ao término da relação empregatícia, faz-se necessário a realização de exames médicos. Concordamos que seja proibida a exigência de exame de gravidez tanto no momento da contratação da empregada quanto no curso no contrato de trabalho, dada a natureza discriminatória deste ato. Ocorre que o exame de gravidez por ocasião da demissão é necessário para comprovar se a empregada encontra-se ou não grávida, gerando, em caso afirmativo, sua estabilidade no emprego.
Destacamos que o ato do empregador de exigir que sua empregada realize exame de gravidez quando já certa a demissão desta trabalhadora nada mais é do que uma precaução quanto a eventuais ações judiciais. Não podemos falar em discriminação ou mesmo em invasão de privacidade, tendo em vista que o resultado do exame deve ser sigiloso, só cabendo o seu conhecimento ao patrão e a empregada, que agora diante da confirmação da gravidez terá o seu contrato de trabalho estendido até o fim da sua estabilidade.
Ressaltamos que embora a lei nº 9.029/95 assegure que é crime a exigência, por parte do empregador, de exame de gravidez a sua empregada, tanto para fins admissionais quanto durante a relação empregatícia, delimitando assim o período para a consecução do referido ilícito penal, o ato de exigir tal exame na dispensa não será considerado crime, tendo em vista que não podemos fazer uma interpretação ampliativa da referida norma por tratar-se de uma lei de cunho penal.
Finalmente concluímos que o empregador para se resguardar de futuras contendas judiciais, prejudicial a ambas as partes, deverá requisitar, quando do término do contrato de trabalho da sua empregada em idade reprodutiva, o exame médico para comprovação ou não da natureza gravídica da mesma, tendo em vista que assim poderá diminuir na quase totalidade as ações que tenham como causa de pedir a reintegração da relação de serviço, ou mesmo uma indenização, em decorrência da estabilidade fundamentada em uma gravidez. A finalidade do exame é conferir garantia de estabilidade a essa trabalhadora sem que haja necessidade de provocar o judiciário para assegurar esse direito.
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